8 de fevereiro – Dia da Internet Segura

Criado pela Rede Insafe, na Europa, o Dia da Internet Segura, comemorado em 8 de fevereiro, reúne, atualmente, mais de 200 países para mobilizar usuários e instituições em torno da data e estimular um uso livre e seguro. Sabemos que a Internet é essencial para o cotidiano da população. Através dela obtemos informações sobre quase tudo, nos relacionamos com outras pessoas, estudamos, fazemos negócios, trabalhamos, namoramos, reivindicamos nossos direitos, etc. Essa é uma tecnologia que revolucionou o mundo e as relações sociais. Apesar das desigualdades econômicas, uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet, no Brasil, mostrou que em 2020, 81% da população com mais de 10 anos tinha internet em casa. Isso significa dizer que estamos falando de, no mínimo, 152 milhões de brasileiros, além das crianças menores. O acesso à internet é, inclusive, reconhecido como um direito humano pela Organização das Nações Unidas (ONU). Não ter acesso à internet é sinônimo de exclusão.

Para explanar sobre o uso de uma Internet segura na promoção de atividades de conscientização nas escolas, movimentos sociais, ONG´s e na própria rede, convidamos a pesquisadora e professora do Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher (PGSCM) do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Suely Deslandes. A pesquisadora também coordena um projeto de pesquisa que discute as violências que são praticadas na Internet contra crianças, adolescentes e entre parceiros íntimos, e, por outro lado, como esses ambientes digitais constituem espaços importantes de prevenção às violências.

A equipe é composta por um bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) Luís Felipe Granado; doutorandos e egressos do PGSCM, Taiza Ferreira, Roberta Flach, Barbara Freitas e Juliana Reeve; uma pesquisadora e um pós-doutorando da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) professores Claudia Valéria Cardim e Tiago Coutinho. Segundo a pesquisadora Suely Deslandes, materiais audiovisuais para a prevenção às violências estão sendo desenvolvidos pelo grupo e serão disseminados através da Internet. “Essa campanha foi denominada ‘Conexão sem violência’ – crianças e adolescentes na Internet”.  

O que é uma Internet segura?

Suely Deslandes: Uma internet segura não é apenas aquela que garante que seus dados não serão usados de forma inadequada e sem seu consentimento. Isso é muito importante, sem dúvida. Uma internet segura não se garante apenas com dicas tecnológicas de como proteger dados, de saber reconhecer abordagens perigosas de estranhos, de uma pedagogia de como não se expor de maneira que te cause danos. Inclui uma concepção de proteção de direitos, especialmente dos mais vulneráveis, de uma cultura de paz e de afirmação de um espaço democrático (onde os conflitos existem, mas não são sinônimo de violências).  Isso, obviamente, é um horizonte ético, um objetivo a ser trabalhado por todos.

Quais práticas podem ameaçar essa segurança?

Suely Deslandes: Assim como nas relações cotidianas “presenciais”, na Internet também se praticam violências, violações de direitos, se cometem crimes e delitos, se disseminam informações falsas, se espalham discursos de preconceito e de ódio, se estimulam práticas autolesivas. Vários estudos mostram que tudo isso atinge diretamente a saúde desses indivíduos, seja mental e física, assim como afeta grupos e coletividades. E, em geral, quem são os mais vulneráveis a essas situações? Se considerarmos em termos de fases da vida, as crianças e adolescentes são os mais atingidos. Apesar de serem nativos digitais, de saberem mexer com facilidade nos aparatos tecnológicos, têm pouca maturidade para lidar com os riscos e violências que chegam por essa rede sociotécnica. Se pensarmos em termos de relações de gênero, a população LGBTQI e as mulheres (cis e trans); a população negra devido ao racismo estrutural; e, aqueles cujos corpos destoam de uma normatividade estética ou étnica também são os mais afetados pelas violências online.  

Como podemos avançar na educação digital?

Tiago Coutinho: O avanço na educação digital deve levar em conta algo que constantemente ouvimos dos profissionais da educação: “A educação de nossas crianças não deve ficar restrita somente ao conteúdo do currículo escolar, devemos formar, acima de tudo, cidadãos”. Porém, no atual contexto de digitalização da vida cotidiana, o desafio se torna ainda maior: como formar cidadãos digitais? A cidadania digital está ligada a um comportamento legal e ético que busca gerir de forma segura, legal e responsável o uso da informação e da tecnologia. Um cidadão digital deve ser capaz de usar tecnologia de forma inteligente, sabendo discernir o que é importante ou prejudicial para si e para os outros. Além disso, deve-se compreender as questões culturais e sociais que se relacionam com as tecnologias utilizadas em seu cotidiano. Em diferentes partes do mundo diversas organizações desenvolvem modelos, programas e projetos para ajudar na educação sobre a cidadania digital. Estas instituições recomendam que sejam feitos cursos de capacitação para preparar professores, pais e responsáveis para a formação de cidadões digitais.

Assim, avançar na educação digital é pensar em um programa pedagógico que inclua, além das habilidades técnicas de lidar com os aparelhos e programas (hardware e software), que tornam possivel a Internet 2.0, mas também pensar mecanismos de cidadania nos ambientes digitais baseados na autonomia e na segurança. Partindo de uma realidade em que a dicotomia presencial/digital encontra-se fluida e em alguns casos obsoleta, os profissionais da educação e a sociedade como um todo, devem, cada vez mais, ouvir os próprios nativos digitais para entender suas demandas e, então, construir coletivamente, esta nova forma de exercer a cidadania.

Qual o público-alvo mais vulnerável/prejudicado pela ausência de uma internet segura? Por quê?

Taiza Ferreira: Como já foi citado, crianças e adolescentes estão entre os grupos mais vulneráveis à violência digital.  O cyberbullying, a exploração sexual e a pornografia infantil estão entre os tipos de violência digital contra crianças e adolescentes que aumentaram durante a pandemia da Covid-19, conforme apontam dados da Safernet Brasil e do disque 100.  Além disso, as brincadeiras perigosas também são um risco à integridade física e emocional de crianças e adolescentes.

Cabe mencionar que estamos em um tempo de hiperexposição e hiperconexão, e durante o contexto pandêmico, esta hiperconectividade foi ampliada exponencialmente. Segundo dados da Tic Kids, de 2021, aproximadamente 22 milhões de crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos, em 2020, utilizaram a Internet no Brasil. O uso de redes sociais como Tik Tok e Instagram também teve um crescimento expressivo. Existem aspectos que devem ser considerados, como o desejo de ser visto, a busca por aprovação dos pares, a cultura de likes e o próprio isolamento social, que contribuíram para uma maior exposição. O tempo de permanência digital desses sujeitos em desenvolvimento representa também maior vulnerabilidade às muitas práticas deletérias à saúde. Diante disso, promover e fortalecer ações de uso seguro e consciente da Internet se fazem urgentes.

Como um ambiente virtual seguro pode contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e consciente dos seus direitos e deveres?

Roberta Flach: Há duas questões envolvidas nessa pergunta.  A primeira é a que fala dos direitos e deveres das pessoas nos ambientes digitais. Já existe, inclusive, um conjunto de leis que garantem os direitos e impõem limites aos que usam esse universo digital. Por outro lado, é importante investir em ações que discutam o fato de que no ambiente virtual, o usuário não tem somente direitos, mas também responsabilidades. Por meio dessas ações é possível refletir acerca do mau uso da internet e com isso coibir abusos e ameaças praticadas, tais como: cyberextorsão, cyberstalking, cyberbullying, vazamento de conteúdos íntimos sem permissão, controle/monitoramento do parceiro sem a sua aprovação e/ou conhecimento, fake news e disseminação de preconceitos diversos. Segundo, é preciso lembrar a enorme potencialidade de desenvolvimento humano que um ambiente virtual inclusivo, seguro e amigável pode proporcionar.

Suely Deslandes: Sim, há uma potência enorme de mobilização em torno de causas, campanhas, denúncias que mostram a violação de direitos e as violências, conseguindo mobilizar e agregar as forças sociais para que haja uma reparação. Permite a disseminação de informações científicas e conhecimentos diversos, expressões artísticas, que podem fazer a diferença na vida de pessoas e comunidades. Fazer circular o conhecimento e permitir que todos tenham acesso, garantir que múltiplas vozes e experiências ganhem visibilidade e reconhecimento são ganhos dessa revolução digital. Obviamente, sempre haverá disputas de narrativas, mas numa perspectiva de cidadania digital, as pessoas e as empresas donas das mídias sociais têm responsabilidades com o outro e podem ser responsabilizadas quando violam direitos.

Segundo alguns estudos, as mulheres utilizam mais tempo do que os homens nos ambientes virtuais. Neste sentido, elas podem contribuir mais para a formação social de uma internet segura? Como?

Suely Deslandes: Na internet, você encontra uma profusão de coletivos feministas e grupos de mulheres em associações diversas em torno de causas e pautas que têm como meta uma sociedade mais justa e inclusiva, assim como uma internet ética e segura. São uma das expressões mais fortes do ativismo digital no mundo inteiro. Há anos, a ONU Mulheres tem pautado a ação digital como fundamental para o enfrentamento da violência de gênero (na internet e fora dela) e pela luta dos direitos das mulheres e a inclusão social. São ações potentes e globais, com vários parceiros no mundo inteiro e, inclusive, no Brasil. O importante é que o foco desse conjunto de ações voltadas para uma internet segura aponta para relações pautadas no respeito, transparência e cidadania. São parâmetros para as relações sociais em geral e não somente aquelas mediadas pela internet. 

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