O Nanismo é um transtorno que se caracteriza pela deficiência no crescimento, resultando em uma pessoa com baixa estatura, se comparada com a média da população de mesma idade e sexo. Manifesta-se, principalmente, a partir dos dois anos de idade, impedindo o crescimento e o desenvolvimento durante a infância e a adolescência.
A acondroplasia, doença genética rara que causa a forma mais comum de nanismo desproporcional, apresenta características como: membros encurtados e curvos, com braços e coxas menores do que os antebraços e pernas; pés planos, pequenos e largos; cabeça grande, com testa proeminente e uma ponte nasal achatada; dentes desalinhados, entre outras características.
O Centro de Genética Médica do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) é referência para o Sistema Único de Saúde (SUS) no manejo clínico das doenças genéticas e doenças raras. Compreende uma equipe de médicos geneticistas, biomédicos e profissionais de saúde voltada para o diagnóstico, incluindo tratamento e aconselhamento genético. A equipe multiprofissional atende os pacientes que vivem com essa condição, dando suporte e fazendo o acompanhamento necessário para fornecer mais qualidade de vida.
Dia Nacional: confira dados
De acordo com a Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde, estima-se que a cada 10 mil brasileiros, 3,2 tenham nanismo. Em 2017, foi instituído 25 de outubro como “Dia Nacional de Combate ao Preconceito contra as Pessoas com Nanismo”, visando conscientizar a sociedade para relações mais equânimes, oportunidades de trabalho com dignidade e construção de políticas públicas que assegurem a acessibilidade e a autonomia dessas pessoas.
Ainda segundo a Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde, a acondroplasia pode ser herdada, mas cerca de 80% dos casos surgem de forma espontânea, sem histórico familiar. Quando um dos pais possui a condição, há 50% de chance de transmiti-la aos filhos. Se ambos os pais têm acondroplasia, possui 25% de chance de que a criança não herde a condição e tenha estatura média, e 25% de chance de que a criança herde o gene alterado para a condição de cada um dos pais acarretando uma forma muito grave de acondroplasia. E 50% terão acondroplasia semelhante aos seus pais. Outra curiosidade é que pais homens com mais de 45 anos têm um risco aumentado de ter filhos com acondroplasia.
Entrevista com especialista
No contexto do Dia Nacional, convidamos o geneticista e coordenador do Centro de Genética Médica do IFF/Fiocruz, Juan Llerena, para abordar a temática.
O geneticista do IFF/Fiocruz, Juan Llerena, com paciente atendida no Centro de Genética Médica do Instituto
Em que pesquisas o IFF/Fiocruz trabalha no momento em relação à temática? Há parcerias com outras instituições?
Juan Llerena: Temos dois grandes projetos clínicos sendo realizados no IFF/Fiocruz com nanismo, inclusive como tema dos alunos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC) e Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI). Há a coorte das osteocondrodisplasias, incluindo as doenças relacionadas ao gene FGFR3; as associadas ao gene RMRP (síndrome cartilagem-cabelo); e outras displasias esqueléticas diagnosticadas no Instituto, criando uma coorte de casos novos, em parceria com a Endocrinologia Pediátrica do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe/Uerj), a Faculdade de Medicina de Petrópolis (UNIFASE) e o Departamento de Pediatria do Hospital S.A.M.I.C. Prof. Dr. Juan P. Garrahan - Buenos Aires, Argentina.
Há também o estudo voltado para osteogênese imperfeita, em parceria com o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), no qual o IFF/Fiocruz é um dos Centros de Referência para Osteogênese Imperfeita (CROI), dedicado a acompanhar e medicar as crianças que enfrentam fraturas patológicas em sua história natural.
Que resultados já podem ser compartilhados?
Juan Llerena: Com relação a Osteogênese Imperfeita, houve uma inovação tecnológica de transição do protocolo terapêutico para uma medicação antirreabsortiva óssea de terceira geração (ácido zoledrônico). Até o momento, cerca de 70 pacientes iniciaram a transição para o protocolo hospital-dia, reduzindo o tempo de internação para menos de 3 horas, incluindo 30 minutos de infusão. O protocolo anterior exigia internação das crianças por três dias para aplicação do medicamento fracionado (pamidronato dissódico). O ganho de qualidade de vida aos pacientes e seus familiares foi enorme. Porém, o mais importante foram os resultados relacionados à melhora da densitometria óssea, redução das fraturas, e redução da dor com eventos adversos à nova medicação, considerados leves.
Com relação aos projetos voltados à osteocondrodisplasias, saliento a coorte de pacientes com acondroplasia medicados com uma nova medicação, considerada de precisão, liberando a placa de crescimento da ossificação endocondral, anteriormente inibida pela mutação genética no gene FGFR3. No total, há cerca de 32 pacientes medicados. O princípio ativo da medicação (um natriurético recombinante tipo B) aumenta a velocidade anual de crescimento dos ossos longos. A resposta dos primeiros 6 meses mostra um ganho no Z-score da estatura de mais de 01-02 desvios padrões comparados à população de acondroplásicos não-medicados.
O cenário é bastante otimista com relação ao crescimento. Dito isto, o monitoramento a longo prazo da coorte em diferentes faixas etárias produzirá um acervo de informações analisando os efeitos nas mais frequentes complicações descritas: estenose do forame magno; cifose; desproporcionalidade dos segmentos corpóreos; apneia do sono; dor; e qualidade de vida, avaliando acessibilidade, funcionalidade e mobilidade.
Como é realizado o diagnóstico do nanismo e em que momento costuma ser identificado?
Juan Llerena: O diagnóstico de uma displasia esquelética, nome técnico do nanismo, geralmente é suspeitado na ultrassonografia pré-natal a partir das 20 semanas de gravidez. O diagnóstico de certeza poderá ser feito ao nascimento pelo exame do bebê e o estudo radiológico.
Quais são as causas genéticas mais comuns dessa condição?
Juan Llerena: Em ordem de frequência temos acondroplasia, doenças relacionadas ao gene COL2A1 (colagenopatias), osteogênese imperfeita e doenças metafisárias (compromete a metáfise do osso). Hoje, pelo sequenciamento completo do DNA, os genes relacionados ao nanismo são cada vez mais identificados.
Quais são as principais diferenças entre os tipos de nanismo?
Juan Llerena: As diferenças podem ser vistas no segmento do osso comprometido; se acarreta uma desproporção dos segmentos corpóreos; se compromete a coluna; se há genes diferentes relacionados; e se o nanismo é letal ou não - cerca de 30% dos nanismos suspeitados pela ultrassonografia gestacional podem ser letais, isto é, não sobrevivem, como o nanismo tanatofórico.
O tratamento de reposição do hormônio do crescimento (GH) é indicado para todos os casos de nanismo?
Juan Llerena: O hormônio de crescimento não está indicado para todos os tipos de displasia esquelética. A indicação formal para tratamento com o hormônio de crescimento é a deficiência na produção do hormônio GH. No nanismo, tenta-se estimular o crescimento com GH, mas as respostas são variáveis e muitas vezes não são satisfatórias.
Quais os principais desafios que as pessoas com nanismo enfrentam, tanto do ponto de vista médico quanto social?
Juan Llerena: Do ponto de vista médico, depende do tipo de nanismo. Cada nanismo tem uma história natural da doença, além da baixa estatura. Podem ter problemas gastrointestinais (Doença de Hirschsprung); problemas visuais (alta miopia); compressão do canal medular da coluna (acondroplasia); deformidades graves; fraturas patológicas; entre uma série de complicações.
Do ponto de vista social, a acessibilidade e mobilidade são os maiores problemas. A comunidade não está preparada para pessoas com muito baixa estatura. Coisas do cotidiano como, subir degraus de ônibus; acessar um caixa eletrônico; banheiros adaptados; falta de rampas para as formas que precisam de cadeira de roda; entre outras situações de desajustes da nossa arquitetura.
Como a genética ajuda a entender melhor as condições associadas ao nanismo e possibilita novos tratamentos, contribuindo para a qualidade de vida das pessoas com nanismo?
Juan Llerena: Ter um diagnóstico clínico de certeza do tipo de nanismo envolvido traz a medicina personalizada para o campo das terapias de precisão. Não somente do ponto de vista dos novos medicamentos, mas especialmente voltada para o planejamento familiar e reprodutivo. O nanismo sendo de causa genética implica na possibilidade de ter um outro indivíduo na família em risco de ter nanismo. Para tanto, a genética tem uma grande possibilidade de ter um diagnóstico de certeza ser realizado.
Há avanços recentes no tratamento e acompanhamento de pessoas com nanismo?
Juan Llerena: Temos alguns novos tratamentos sendo introduzidos na prática clínica para acondroplasia, para osteogênese imperfeita, entre outros.