Câncer do colo do útero: novo método de rastreamento estuda ser incorporado ao SUS 

 
Após parecer preliminar favorável da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) à incorporação da testagem molecular como meio de detecção do papilomavírus humano (HPV) para rastreamento do câncer do colo do útero no SUS, o Ministério da Saúde (MS) abriu uma consulta pública à sociedade civil. As contribuições foram aceitas até o dia 17 de janeiro de 2024. 

O HPV é uma infecção sexualmente transmissível e a maioria das pessoas sexualmente ativa terá contato com o vírus alguma vez na vida. Os tipos oncogênicos do HPV podem levar ao desenvolvimento de cânceres, como o do colo do útero. 

Para uma abordagem sobre o tema e as principais dúvidas de prevenção, rastreio e cobertura vacinal, convidamos o ginecologista e pesquisador do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Fábio Russomano. 

O que é teste molecular para o HPV e como ele é realizado?  

FR: Os testes moleculares de HPV detectam a presença de DNA dos tipos mais frequentemente encontrados no câncer do colo do útero. Sua presença em mulheres com mais de 25-30 anos denota uma infecção persistente por um desses tipos e, em consequência, a maior possibilidade de haver uma lesão precursora do câncer. Uma estratégia de rastreamento usando esses testes tende a detectar mais, e mais precocemente, lesões precursoras e o câncer inicial do que o exame citopatológico (Papanicolau). Mas, como a simples presença do vírus não determina a presença de uma lesão precursora, a maioria das mulheres com teste positivo não tem doença. Nesses casos, a recomendação é manter os exames anuais até sua negativação.

Quais os benefícios da incorporação do teste molecular para o HPV no SUS? 

FR: A substituição do exame citopatológico (Papanicolau) pelos testes de HPV permitirá detectar mais mulheres doentes com menos exames, já que, quando negativo, poderá ser repetido em apenas 5 anos. E, além de detectar mais precocemente o câncer inicial (assintomático), possibilitará o uso da autocoleta, que pode ser um facilitador para mulheres resistentes ao exame ginecológico. 

De acordo com o relatório de recomendação divulgado pela Conitec, ocorreram em 2020 aproximadamente 600 mil novos casos e 340 mil óbitos em decorrência do câncer do colo do útero em todo o mundo. Como está esse panorama no Brasil? A medida da incorporação do teste oferecido pelo SUS pode contribuir, positivamente, para o cenário no Brasil? 

FR: O mesmo relatório menciona que, atualmente, são esperados cerca de 17.000 novos casos, o que representa uma taxa de 15,38 casos/100 mil mulheres. Essa taxa é maior nos estados das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com taxas de 20,48, 17,59 e 16,66/100 mil mulheres, o que nos aproxima, nesses estados, da incidência de países menos desenvolvidos e sem programa de rastreamento, como no sudeste asiático, América Latina e África Subsahariana. “Representa o terceiro câncer mais incidente em mulheres no país e na Região Centro-Oeste, porém, ocupa o segundo lugar nas Regiões Norte e Nordeste, o quarto na Região Sul e o quinto na Região Sudeste." 


Em 2020 ocorreram 6.627 óbitos por câncer do colo do útero no Brasil, representando taxa de mortalidade de 4,6/100 mil mulheres, mas apresentando também diferenças regionais marcantes, principalmente na região Norte, onde a taxa foi de 9,52/100 mil mulheres, ou seja, mais que o dobro da taxa nacional. Foi a quarta causa de morte por câncer em mulheres no país, nas regiões Centro-Oeste e Sul, a primeira no Norte, a segunda no Nordeste e a quinta no Sudeste. A doença foi a principal causa de mortalidade prematura entre mulheres jovens (25–29 anos) em 2017.

A expectativa é de redução nessas taxas, utilizando a meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), chegando à taxa de cerca 4/100 mil mulheres, o que significa a quarta parte da nossa taxa atual para o Brasil como um todo. O desafio é enorme e não se restringe à substituição do teste de rastreamento. Investimentos e ações para essa mudança já estão planejados e em implementação, relativas à necessária infraestrutura, informação/capacitação de profissionais, revisão das diretrizes para encaminhamento para colposcopia (e após esse exame), financiamento, controle e monitoramento. O IFF/Fiocruz, como faz há muitos anos, deve participar ativamente desse processo.

O rastreio do câncer do colo do útero traz benefícios antes dos 25 anos? Por quê? 

FR: No Brasil, o rastreamento é preconizado entre os 25 e 64 anos em mulheres e pessoas com útero que já iniciaram a atividade sexual. Os exames devem ser realizados a cada três anos depois de dois exames consecutivos normais, com intervalo de um ano. Antes dos 25 anos é muito frequente a detecção de alterações inflamatórias pelo HPV que tendem à regressão. O diagnóstico dessas lesões causa muita preocupação e, frequentemente, exames, biópsias e até cirurgias desnecessárias e que podem trazer consequências para a vida reprodutiva da mulher. Também, as lesões consideradas precursoras do câncer (lesões de alto grau - NIC II/III), detectadas antes dos 25 anos, têm maior probabilidade de regredirem sem tratamento e, assim, o recomendado é não realizar tratamentos até que a mulher atinja os 25 anos. Portanto, antes dos 25 anos o rastreamento do câncer do colo do útero traz mais riscos do que benefícios. 

Após os 64 anos os exames devem ser interrompidos se a mulher tiver, pelo menos, dois exames negativos nos últimos três anos e não tiver história de tratamento de câncer de colo ou suas lesões precursoras. As evidências para interrupção dos exames após os 64 anos são menos consistentes, mas apontam para uma menor efetividade e, considerando o maior desconforto, deve ser avaliado individualmente.

Mulheres mais maduras ou que já iniciaram a vida sexual se beneficiam da vacinação contra o HPV? Por quê?  

FR: Essa é uma questão bastante controversa. Apesar de as vacinas contra o HPV serem muito seguras e estarem aprovadas para uso até os 45 anos, a efetividade na prevenção de infecção persistente e lesões precursoras demonstradas em mulheres que já tiveram contato com o HPV é de cerca de 30%. Por isso, as recomendações da OMS e do MS do Brasil é aplicar entre os 9 e 14 anos, quando se espera um menor risco de a adolescente já ter tido contato com o HPV. Após o início da vida sexual, esse risco pode chegar até a 80%, o que compromete a efetividade da vacina, que é preventiva e não terapêutica.

Você pode comentar sobre a adesão à vacinação contra o HPV? As campanhas e estratégias promovidas pelo MS têm surtido efeito na faixa-etária que precisa receber o imunizante?  

FR: A cobertura vacinal ideal é de, segundo a OMS, de 90% das meninas e adolescentes. Estamos distantes dessa meta e países que a atingiram utilizaram a vacinação em escolas, o que não é o nosso caso atualmente. A "Chamada para Ação para eliminação do Câncer do Colo do Útero” da OMS inclui essa meta para os países, além da adoção de testes de rastreamento de alta performance, como os testes ora em discussão, e o tratamento adequado de 90% das mulheres identificadas como doentes no rastreamento.

 

 

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